MATERIAL CRIATIVO

23/09/2011 DEPOIMENTOS PESSOAIS SOBRE A INFÂNCIA DOS PARTICIPANTES
Naloana Lima (direção):
Quando eu era pequenina, tinha uns oito, nove anos, era uma menina, bonita, calma, cara de índia, com os cabelos ondulados e compridos. Naquele tempo não havia grades na escola, tudo era grande, mas na verdade eu que era pequena, gostava de tomar banho de sol em cima da caixa d’água, na hora do recreio, com minha melhor amiga. Tinha um menino, que nem lembro o nome dele, que gostava de mim, mas eu nem sabia. De uma forma não muito agradável minha amiga me disse isso. Bem ela não era tão amiga assim, a brincadeira que ela, a Preta, mais gostava era de puxar o meu cabelo e de me fazer de escrava, a Preta, era grande, mais clara que eu, cabelo curto e lembro que não tinha um dente da frente, não era bonita não. O problema dela nem era comigo, era com ele, o menino (aquele que não lembro nome), ele mesmo que não gostava dela, mas ela sim gostava dele e ele gostava de mim e ela, a Preta, não gostava nada disso. Eu já nem queria ir para a escola e nem queria ficar mais com minha melhor amiga tomando banho de sol na caixa d’água. A escravinha aqui sempre dizia sim, sim sinhazinha, sempre obedecia seus desejos.

Mas, um certo dia, ela me pediu uma coisa que eu não sobe fazer. E agora? Como dizer não?

Cheguei em casa pensando que não podia deixar de falar com minha melhor amiga, não, isso não! E o banho de sol? O que faria? Não! Nem pensar em dizer Sim! Dessa vez não! Ensaiei em frente ao espelho. Não, Não, Não.

No outro dia, chegue na escola com medo, mas decidida olhei para a cara dela e disse Não!
Ela se espantou... puxou o meu cabelo e ...saiu.

Saiu... assim, simples, assim. Fiquei feliz, foi mais fácil do que imaginei, só fiquei com uma dor de cabeça por causa do puxão, mas valeu à pena. Foi nesse dia que aprendi a dizer Não.
Danuza Novaes: "Minha marca registrada na infância foi viver no undo da lua. E e minha imaginação aflorou ainda mais devido as minhas frustações de minha bonecas. A pretinha, a boneca que amei primeiro perdi na praia, uma onda mais forte a levou. A segunda boneca foi a boneca estilo barbie da Angélica. Eu adorava brincar com ela mas quando descobri que nenhuma roupa servia por causa das pernas que eram muito grossas, frustei novamente. a partir daí, minhas bonecas eram imaginárias. Pegava lenços que minha mãe usava no cabelo e segurava uma das pontas, ficava falando sozinha e criando histórias diversas. Brincar de paninho, me acompanhou até uns 12 anos e á a lembrança mais forte que tenho da infância "

Tom Paranhos (Atuação): Na infância era tudo mais arejado, mais colorido, mais intenso. Não havia este “véu que cobre minha visão”, era a diversão, era a alegria. Mas já se passaram tantos anos. Quantos anos? Quanto daquilo que era impulso primordial continua a me alimentar hoje? Hoje eu queria criar um depoimento pessoal sobre infância que revelasse alguma forma da beleza de todas as coisas que já não estão mais aqui. Eu queria não estar com dor de cabeça, com ansiedade, com frustrações amorosas tão recentes, com frustrações artísticas iminentes... Gente frustrada é foda, é amarga. Na infância tinha frustração e amargura? É muito provável que não, se tinha eu nem sabia o nome. Quando criança eu não sabia o nome das coisas. Mas acho que elas já estavam lá. Eu sentia, pressentia a falta, a rejeição, a inveja. Eu era um garoto invejoso. Invejosinho. O brinquedo e a brincadeira dos outros por vezes me faziam sofrer. Eu também pressentia que não era uma criança bonita e alegre, agora me lembro! Andava pelos cantos escondido, teve aquela vez que eu me escondi do meu pai debaixo da mesa, alguém me perguntou expondo a travessura oportuna: “Ele é seu pai, você gosta dele?”, “Não!” Respondi com a cabeça ou talvez com uma voz tímida, acho que foi só com a cabeça. Não sei se é por causa desta dor de cabeça ou porque tomei um fora esta semana que também me recordo de outra: Eu era um garoto que mentia. Pressentia que a verdade poderia ser reprovável e pressentia que a mentira dava asas pra minha imaginação. Eu tinha uma amiga, a Gabriela, eu me lembro que sentávamos no portão da escola pra aguardar a hora da saída e ficávamos falando com riqueza de detalhes sobre a aula de patinação que jamais fizéramos no dia anterior: Os patins quebrados, a amiga que se achava boa patinadora, as rodinha vermelhas, tudo inventado, tudo mentirinha, mas como era bom contá-las e como era tedioso não haver aula de patinação alguma. Mas uma qualidade em mim era evidente: Era muito aplicado e interessado nas tarefas escolares. Prestava toda a atenção às explicações da professora, fazia as tarefas com dedicação de horas de esmero, caprichos, lápis de cor de 24 cores, canetinha, brilho, glitter, lantejoulas, giz de cera, tudo! Tudo aplicado numa folha em branco com um desenho impresso com estêncil roxo cheirando a álcool. Era um ritual! Receber o papel ainda úmido, contornar o traço roxo com lápis preto para que aparecesse bem a figura, depois pintar com lápis de cor das margens para dentro com grande esforço para que nenhum traço desastrado ultrapassasse a linha. Dois acabamentos eram possíveis: passar canetinha sobre o lápis para reforçar a cor e não deixar nenhum branco aparecer, ou raspar toda a superfície colorida com uma moeda para que ficasse bem brilhante. A tarefa de agradar a mim e aos outros tornava-se cada vez mais difícil... Pintar o fundo todo do desenho foi uma primeira saída impactante... usar cores escuras e técnicas de esfumaçamento vieram depois, copiadas de uma menina, Danila? Que sempre usava cores frias e nada infantis. É... eu estava crescendo, empenhando toda a gravidade infantil em tarefas de criança... Pintar era sério, desenhar era seríssimo, brincar de cantar, brincar de duro ou mole, pega-pega, amarelinha, esconde-esconde, escolinha, casinha, boneca, médico, tudo com seu sabor, tudo com suas regras... Era a felicidade? Era a infância... 

Samara Chedid (Atuação): Manhã de sol. Mas ainda é um muito cedo. Por isso existeaquele friozinho. Aquele friozinho bem gelado. Acordo, pulo da cama e com os pés descalços corro pela casa. Entro noquarto de papai e mamãe e pulo no meio deles. Aquela cama é grande. É grandedemais o cobertor. É grande demais o quentinho daquela cama.
Papai faz cócegas em mim. Rolo pra cima de mamãe. Ela selevanta e pede pra papai e eu não quebrar a cama. É aí que vou para o circo. Alona se levanta. É um cobertor laranja e azul. Dentro da lona acontece umespetáculo só pra mim. Passam macacos e elefantes. Trapezistas e bailarinas. E aatração mais esperada: o palhaço!
- Que engraçado! – penso eu – o palhaço tem uma roupa igualao pijama do meu pai. De repente o palhaço vem, me coloca no colo e me jogapara cima. Lá no alto sinto o cheiro do café da mamãe. Papai e eu corremos paraa cozinha. Depois de alguns minutos vou para o quintal. Mamãe pendura as roupasmolhadas. Acompanho cada gota que cai da roupa, até chegar ao cimento cinza. O queserá que a gora pensa quando bate a carinha no chão? Será que dói?
Ai, ai! Um formigueiro! Mãeeeeeeeee! Maiê!!!! Pronto. Passou.Vou voltar ao circo. Mamãe já prepara o arroz. E eu corro por baixo das roupase dentro dos lençóis pendurados. Converso com as bailarinas e os trapezistas. Brincocom os elefantes e os macacos. Agora, só falta esperar o palhaço chegar!

Paula Cicolin ( dramturgia): Era eu criança. Não me lembro ao certo a idade que tinha. Recordo-me de um tio-avô trazendo algo para mostrar a mim e ao meu pai. Era um balão, mas não tão luzidio: meio murcho, levemente sujo de barro e desbotado. Mas interessante mesmo era a estória de como o brinquedo chegara até ele.
Contou-me que aquilo era um balão de gás hélio e que provavelmente havia escapado da mão de uma criança e voado muito alto até o gás perder efeito e começar a cair e aterrissar justamente em seu sítio.
Ele me deu o bolão de presente, mas, pelo estado que estava, pouco me interessou; gostei mesmo foi da estória e fiquei a imaginar se o balão fugira das mãos da criança que o perdera por descuido e se ela havia ficado muito triste.
Achei incrível saber que existia um tal gás que fazia ser possível um balão subir muito alto e só cair depois de muito tempo (pelo o que me contaram, ele poderia ficar voando quase um dia inteiro para só no dia seguinte começar a cair!).
Mas algum tempo se passou e eu quase havia me esquecido daquilo tudo, quando entrei num shopping com uma tia e me deparei com um lindo balão de gás. Haviam muitos à venda, mas um em especial muito me encantou: era grande, deveras colorido – um misto de vermelho, anis, violeta, rosa, lilás – e tinha o formato de um sorvete. Minha tia percebeu o quanto eu havia ficado absorta naquela imagem e decidiu me comprar o balão sem nem eu pedir.
O vendedor, com um largo sorriso, amarrou o brinquedo no meu punho e me alertou para o perigo de um balão escapar. Amarrou-o pelo barbante em meu punho com um nó bem forte.
Sai do shopping radiantemente feliz com aquele enorme sorvete voador todo colorido. As cores e o tamanho daquilo me deixaram maravilhada. Era a primeira vez na vida que eu tinha um balão daquele. Não via a hora de chegar em casa para brincar com ele.
Cheguei em casa, e, após mostrar aos meus pais o lindo presente ganhado da tia, fui para o meu quarto: soltava o balão para fazer ele subir até bater no teto – descobri que era mesmo verdade o que me contaram sobre ele subir e era a primeira vez que eu via aquilo – e depois eu subia na cama, pulava, alcançava a corda e puxava ele de volta para baixo.
Fiz isso várias vezes. Por várias vezes entende-se várias vezes mesmo.
Então decidi ir brincar com ele no quintal. Já estava escuro, era noite.
Olhei para o céu. Segurava o balão pelo barbante. Então, repentinamente, surgiu em mim uma série de sentimentos distintos.
Adrenalida... Medo...
O balão estava sob meus domínios por um triz. Bastava eu soltá-lo e eu o perderia para sempre.
Será? Seria mesmo possível que o balão poderia subir céu adentro cada vez mais alto e ficar subindo e subindo para só cair em algum lugar desconhecido no dia seguinte?
Olhei para o céu e fiquei a imaginar o meu sorvete colorido indo embora noite adentro e se perdendo para sempre na imensidão. Como seria isso?
Até que – por decisão minha híbrida na curiosidade de comprovação da capacidade do meu sorvete poder voar até o infinito – soltei o fio.
O balão voou.
Voou e voou. Era mesmo verdade. Ele subia. Subia e sumia.
E não voltaria.
Não voltaria... Desespero.
Gritei. As lágrimas caíram. Meus pais vieram ver o que estava acontecendo e, ao chegarem, presenciaram o balão subindo e se tornando cada vez menor.
Eu disse – num tom de quem queria deixar claro que eu mentia – que o sorvete havia escapado sem querer da minha mão. Como eu previa, e queria, não acreditaram, e, solidários à minha dor, sofreram ao acompanham o meu lindo balão colorido ir se tornando cada vez menor até se perder de vista.
Fui dormir com aquela imagem nítida na mente. Então me lembrei de quando meu tio-avô chegou com um balão que havia encontrado e enchi-me de esperança.
Fiquei a imaginar onde estaria o meu balão no dia seguinte e pensei na possibilidade de ele cair no sítio de algum velhinho bacana que me traria de volta assim que encontrasse.
Mas, no fundo, eu sabia que estava mentindo para mim mesma e o meu sorvete colorido nunca mais voltou.
Não conseguia entender porque é que eu havia feito voar o brinquedo que eu tanto gostava só para provar para mim mesma que eu era capaz de conseguir abandoná-lo.

Fernanda Lopes (atuação):-Pamonha, pamonha, pamonha. Pamonha de Piracicaba. Maconha, maconha, maconha? Mas eu não entendo! Como é que na televisão fala que um monte de gente é presa por causada maconha, e tem esse moço, com esse carro, com esse alto falante, com essavoz estranha, vendendo maconha de Piracicaba. E eu nem sei onde ficaPiracicaba. Queria perguntar para minha mãe o que é maconha, Mas acho que ela nãosabe. Não vou perguntar para meu pai, tenho medo. O Tiago só joga bola, e oTadeu fala tudo enrolado. Já perguntei pra minha mão o que é sexo, não que eu nãosabia, porque a Tatá fez questão de me contar, apesar de eu só querer saber oque fazer quando agente, mas não eu, come a hóstia da missa, só queriaperguntar para minha mãe do sexo só pra ver o que ela ia responder, mas eladisse do amor, do amor, do amor, de Deus e da sementinha, eu sei que não é sóisso, a Tatá me disse, tem as células, mas aí eu não sei o nome. Mas minha mãenão sabe o que é maconha, eu sei, não sabe.
-Pamonha, pamonha, pamonha. Pamonha de Piracicaba.
Ta vendo? A maconha de novo!
24/09/2011 Sessão do filme MUTUM
Neste sábado o grupo se reuniu para assistir e discutir o filme Mutum, Mutum quer dizer mudo. Mutum é uma ave negra que só canta à noite. E Mutum é também o nome de um lugar isolado no sertão de Minas Gerais, onde vivem Thiago e sua família. Thiago tem dez anos e é um menino diferente dos outros. É através do seu olhar que enxergamos o mundo nebuloso dos adultos, com suas traições, violências e silêncios. Ao lado de Felipe, seu irmão e único amigo, Thiago será confrontado com este mundo, descobrindo-o ao mesmo tempo em que terá de aprender a deixá-lo.
Trailer http://www.youtube.com/watch?v=Ob2j29lZUog  
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